COMO CONTROLAR A DESPESA   DO SNS

Sugestões baseadas na transformação do SNS

 1/5/25

Distribuição da despesa

 As maiores rubricas na despesa do Serviço Nacional de Saúde(SNS) são há vários anos as despesas com pessoal e despesas com medicamentos que são cerca mais de 50% da despesa total.

A despesa com pessoal têm vindo a aumentar, não só com novas admissões nos últimos dez anos ,  como também devido  a revisão de vencimentos, abuso na utilização de contratos precários com empresas de prestação de serviços de saúde. É uma despesa difícil de controlar. Na conjuntura atual é consensual de que um dos problemas do SNS é a falta de motivação do pessoal mais diferenciado, nomeadamente médicos, enfermeiros, farmacêuticos e técnicos superiores de saúde. A desmotivação tem razões nos valores da renumeração e aliciamento para o setor privado mas também com a desorganização das carreiras e garantias de formação, e condições de trabalho.Será assim uma rubrica de despesa que tenderá inevitavelmente de   aumentar com a resolução dos problemas identificados.

Os  friamente denominados “recursos humanos” são hoje, em todos os setores da sociedade, a pedra fundamental para que as organizações sejam eficientes e cumpram os seus objetivos nomeadamente os seus clientes ou utentes.

 As estratégias de investigação e a o investimento na saúde pública

 A nível da Saúde tem-se assistido ao domínio tecnológico   da sua organização o que traz aspetos positivos na resolução de muitos problemas de saúde a montante do aparecimento das diversas patologias nomeadamente as prevalecentes (cardiovasculares, diabetes, oncológicas, músculo esqueléticas e outras). No entanto o aparecimento de muitas dessas patologias poderia se evitado com medidas de prevenção da doença e promoção da saúde.

O investimento nessa área é diminuto e Portugal é dos países europeus que menos investe nessas áreas tendo, no entanto , experiências   com resultados muito positivos nomeadamente na área do controlo e diminuição tabagismo e toxidependência.

Também se têm hipervalorizado o investimento na resposta ao tratamento de doenças raras. As grandes empresas multinacionais apontaram a sua estratégia de investigação para esta área ,dada a natureza incapacitante destas doenças e pressão social, que permitem um retorno mais rápido dos investimentos efetuados.  Paralelamente tem-se subvalorizado o investimento em doenças que afetam a maioria da população como sejam doenças infeciosas que a nível mundial serão a principal causa de morte. Referimo-nos o investimento em novos antibióticos, antivirais. Muitas dessas patologias poderiam ser controladas com vacinas e antibióticos e com medidas sanitárias e educação.

Alem disso como afirmámos em publicações anteriores neste Blog, a maioria da população(80%)sofre das doenças prevalecentes acima referidas , para as quais tem havido pouco investimento, estando a ser tratadas  fundamentalmente com medicamentos genéricos, isto é medicamentos com patente caducada. Nesta área tem surgido interessantes processos de investigação incremental e tecnológica que melhoram a adesão á terapêutica prescrita e efetividade do medicamento .Estes processos são no entanto pouco valorizados pelas entidades financiadoras .Também os estudos em ambiente de vida real (real word studies) complementados com os convencionais ensaios clínicos ,têm permitido serem aprovadas novas indicações terapêuticas para moléculas antigas( repurposing ) mas que no entanto na nossa opinião não têm sido suficientemente valorizadas pelas autoridades  financiadoras.O caso paradigmático é o da Talidomida retirada do mercado há cerca 70 anos e hoje com indicações major no tratamento da Lepra e algumas patologias oncológicas.

 Evolução das tecnologias na saúde

As tecnologias tem vindo a tornar-se cada vez mais complexas. Por um lado, tem-se assistido ao esbatimento das distinções entre as formas tecnológicas “clássicas” através da introdução de associações de medicamentos a dispositivos médicos (por exemplo, os stents) ou de equipamentos de imagiologia que permitem, simultaneamente, a realização de intervenções cirúrgicas e, por outro, têm sido desenvolvidas técnicas sofisticadas, designadamente a nível das terapêuticas celulares e com tecidos, da fármaco-genómica e da nanotecnologia que têm colocado novos e difíceis desafios que exigem uma compreensão cientifica profunda dos processos e métodos de avaliação da segurança, eficácia e efetividade destes emergentes instrumentos tecnológicos.

Estes problemas agravar-se-ão no futuro quando, como é previsível, as terapêuticas forem cada vez mais individualizadas na sequência da aplicação de técnicas associadas à genética.
Como é natural, esta crescente complexidade da tecnologia foi acompanhada pelo aumento acentuado dos custos e da despesa, sobretudo pública, por o modelo europeu de protecção social se basear no acesso universal das populações aos cuidados de saúde. Saliente-se, porém, que mesmo que se tentasse restringir o usufruto das inovações pela população, esse esforço não teria, provavelmente, grande sucesso porque, para além do mais, as inovações têm tido como objetivo, especialmente, a gestão de patologias órfãs ou de estádios terminais das doenças, situações em que a implementação de um racionamento explicito (sobretudo quando os novos instrumentos terapêuticos são eficazes) é muito difícil.

Paralelamente, a rapidez com que a informação sobre os novos instrumentos tecnológicos tem sido disseminada e o valor social que a população lhes atribui leva a que seja exercida grande pressão para a sua adopção cada vez mais rápida, inevitavelmente financiada pelo Estado dado o seu elevado custo.

Um fator acelerador desta dinâmica tem sido o envelhecimento da população. Com efeito, sendo os idosos particularmente sensíveis a todos os factores que possam contribuir para o prolongamento da vida e tendo aumentado acentuadamente o seu peso na sociedade, é natural que o poder político seja particularmente sensível à evolução tecnológica na Saúde (Breyer, Costa-Font e Felder, 2010).

Assim, as tecnologias de saúde têm contribuído significativamente para o crescimento das despesas como o atestam alguns trabalhos publicados. Com efeito, numa análise pioneira, Mechou-se (1992) estimou que a tecnologia foi responsável por mais de metade da taxa de crescimento da despesa em Saúde nos EUA entre 1950 e 1990. Mais recentemente, o mesmo autor e colegas (Smith, Newhouse e Freeland, 2009) refizeram os cálculos e estimaram que 27% a 48% do ritmo de crescimento da despesa seria atribuível à tecnologia que constituiria, conjuntamente com o aumento do rendimento, o principal fator explicativo deste fenómeno.

Note-se que a contribuição da tecnologia para a evolução da despesa está correlacionada com a variação do rendimento como é demonstrado neste último artigo. Paralelamente, como se referiu já, o envelhecimento da população decorrente, entre outros fatores, do prolongamento da esperança de vida e, consequentemente, do aumento do nível de vida e da utilização da tecnologia, é um factor gerador de procura acrescida de cuidados cada vez mais caros (Canadian Health Services Research Foundation, 2011).

Assim, existe interacção entre os vários fatores causadores de pressão sobre a despesa sendo o principal, contudo, como potencial causador de ineficiência, a evolução tecnológica (Breyer, Costa-Font e Felder, 2010).

Com efeito, a gestão da maior parte das situações causadas pelo envelhecimento pode ser feita a custos relativamente pouco elevados pela alteração do padrão de tratamento das doenças, passando da intensidade tecnológica para os cuidados continuados (Canadian Health Services Research Foundation, 2011). Paralelamente, numa primeira analise, o aumento da despesa induzido pela variação do rendimento não é mais do que o reflexo do valor que os consumidores atribuem aos cuidados de saúde, não existindo, neste caso, desperdício (de acordo com a teoria económica tradicional) porque o montante despendido corresponderia à disposição dos doentes a pagar pelos cuidados consumidos.

Contudo, o problema põe-se exatamente aqui porque, para que isto aconteça, é necessário que quem paga (sejam os doentes ou o SNS) conheça os benefícios associados ao seu consumo. Com a sofisticação crescente das tecnologias, é cada vez mais difícil saber-se com rigor, em primeiro lugar, quais são estes benefícios e, depois, se eles compensam o custo. É fundamentalmente por esta razão que é necessária a avaliação das tecnologias, tanto clínica como económica. Alias, antes mesmo da avaliação económica começar a dar os primeiros passos já se sentia a necessidade da avaliação clínica ser muito mais rigorosa, refletido no movimento que deu origem à Rede Cochrane (Aranda da Silva; Gouveia Pinto 2015)

 

Que estratégia e que soluções. 

 

1-    Tem de existir uma estratégia para o desenvolvimento do Sistema de Saúde e em particular do Serviço Nacional de Saúde (SNS), que tenha em conta o enquadramento da Constituição da República   e que seja baseada nas necessidades do doente ao longo dos seu percurso de vida ,adaptando as formas da prestação de cuidados a esse percurso.

 Essa estratégia tem de ser discutida, aprovada e publicada e publicitada para que possa ser avaliada permanentemente.

 

2-    A   jusante das intervenções e utilização de tecnologias para   tratamento das patologias, deve estar presente de forma organizada e permanente   a prevenção das doenças, através de promoção da saúde e de estilos de vida saudáveis, de ações de despiste precoce , organizado de forma coordenada nos vários níveis da estrutura do SNS.Tem de ser promovida  a literacia em saúde com propostas concretas a nível das diversas instituições sociedade desde os locais de trabalho ao sistema educativo.

3-    A organização do SNS tem de ter em conta a imprescindibilidade da integração dos diversos níveis e tipos de cuidados de saúde, através de equipes pluridisciplinares e com novos modelos de governação que tenham em conta novo tipo de financiamento com  responsabilização e descentralização das decisões.

4-    Deve-se ter em conta a colaboração  complementar do setor privado e social de forma transparente e baseado num sistema de informação em saúde eficiente, auditável e que respeite e beneficie os cidadãos e os seus direitos.

5-    Deve ser melhorado o sistema de avaliação das tecnologias de saúde através do reforço do papel do INFARMED. Tem de ser dotado de maior autonomia financeira para gerir os recursos que não estão dependentes do OE provenientes da cobrança de taxas e prestação de serviços a organizações internacionais .Deve ser atribuído um estatuto legal adequado á missão específica que desempenha, de forma a poder manter e desenvolver a sua capacidade científica e capacidade de interferência nas decisões Europeias .como aconteceu na últimas três décadas.

 Jose Aranda da Silva

 

 

 

 

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